segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Assim continua a historia

Observando Abdara e suas transformações há algum tempo, uma ave bela e formosa passou a acompanhá-la de longe em suas viagens para visitar o amante, e decidiu também vigiá-la enquanto humana. Era uma ave estrangeira, que estava ali de visita para conhecer novas espécies, pois sempre ouvira dizer que nas terras da Gália, do Egito e da Tessália encontraria animais e aves diferentes, criadas pelos diversos deuses locais. Qual não foi sua surpresa num belo dia observar aquela espécie formosa e bela, cortando os ares a sua frente e passou a segui-la de longe sem se deixar notar. Mas o que a ave não sabia é que na verdade Abdara era uma bruxa daquela cidade, uma bruxa inexperiente, esposa de Hiparco, e uma bela mulher que se transformava numa grande e imponente coruja, formosa e sedutora.
Áquila era seu nome, de família nobre, uma águia-imperial que vive nos mais altos montes do continente europeu, uma ave portuguesa. Aquila Adalberti é uma ave soberba, de grandes dimensões, apresentando uma envergadura de asas que pode atingir os dois metros, uma espécie difícil de se observar, que vive a mercê dos seus hábitos discretos e da inacessibilidade de muitos dos locais onde vive. Por isso a facilidade de observar Abdara sem ser notada. Áquila observará a transformação de Lúcio em um burro, ficou intrigado com a transformação e passou também a observa-lo. Viu o ataque dos saqueadores a casa de Hiparco e quando os mesmos fugiram levando os burros. Aquila passou a acompanhá-los de longe, vendo e ouvindo a gritaria de Lúcio que não se conformava com aquela situação. Durante algum tempo Áquila acompanhou sem saber o que fazer, com toda aquela confusão. Havia se esquecido de Abdara, a bruxa, que ao notar o saque em sua casa e o sumiço dos burros não se preocupou, pois sabia que mais cedo ou mais tarde tudo voltaria ao normal. Mas Áquila não pensava assim, imaginou que aquela transformação, sem as pétalas da rosa fosse para sempre. Vendo o tamanho do sofrimento que os humanos os infringiam, precisava fazer alguma coisa. Não havia rosas por ali! Ele ouvirá que as pétalas desta bela flor os trariam de volta.  Foi então que Áquila percebeu que Lúcio havia feito duas marcas no chão com a pata dianteira, uma ao contrário da outra e ficou imaginando o que seria. Será que está tentando mostrar um caminho, uma solução?
Foi então que Áquilla se lembrou de um lugar no qual sobrevoou no Marrocos tempos atrás enquanto visitava parentes naquele país. A águia imperial é uma ave de rapina exclusiva do
Mediterrâneo Ocidental, vivendo entre Portugal e o Marrocos.  Áquila percebeu que as marcas feitas no chão por lúcio tinha o mesmo formato das montanhas do Marrocos, que formava o vale das rosas e tratou de voar para lá. Lúcio mesmo sem querer e sem saber indicará o lugar.
Áquila sabia que o vale estava muito longe dali. Teria que atravessar dois países para chegar ao Marrocos, para ele era fácil, pois voava por sobre as nuvens evitando assim correntes de ar contrário, aproveitando o ar quente que o faria planar sem gastar muita energia. Durante a viagem de Áquila, Lúcio um pouco mais conformado com a situação já não discutia e não brigava tanto, somente observava e imaginava o quanto o ser humano era desumano, inclusive ele. Enquanto não encontrava as pétalas e já sem tanta pressa encontrou tempo e paciência para meditar. Enquanto isso Áquila voava como um raio, e quando batia as asas o som ecoava como de um trovão. Chegando ao vale procurou pela rosa mais formosa e tratou logo de arrancá-la retornando num piscar de olhos. Ao reencontrar a manada tratou logo de se apresentar a Lúcio, contando a ele que acompanhará todo o seu sofrimento durante dias até ver a marca dos seus cascos invertidos no chão, lembrando-se do vale das rosas que tem o mesmo formato. Foi então que Lúcio contou a ele o significado daquela marca, pois compreendeu por contraste e com a aridez reta e seca do “não” humano o consentimento dos burros era complexo e sinuoso carregado de possibilidades. Continuando ainda Lúcio “imaginei uma letra de fácil desenho e desenhei na terra já que não dispunha naquele momento de lápis nem papel e precisava simplesmente marca-lá na terra com os pés. Uma letra que com sua forma simples e completa, apontasse e convivesse a infinitude da aceitação. Inventei assim a letra “S” que inventou a palavra “sim”.
Áquila prestou bem atenção naquelas palavras e pôs-se a pensar durante alguns minutos. Então virou-se para lúcio e disse, linda a letra que inventaste “S” de solidariedade, de sentimento, pois foi o que senti ao vê-lo transformado em um burro. “S” de salvação, pois me dispus a ir buscar as pétalas tão longe para te salvar. “S” de sabedoria, pois foi o que adquiristes durante o tempo em que esteve burro, e finalmente “S” de sagacidade, pois é o que terás daqui adiante. E assim Áquilla se despediu de Lúcio e retornou para casa. E a letra “S” se tornou uma das mais importantes do alfabeto português, ocupando a décima nona posição em homenagem aos dezenove dias que Lúcio viveu como burro.

Sandro Alex Batista de Sousa

Nenhum comentário: